quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Guardar
 Antonio Cicero



Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que um pássaro sem vôos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.


Fonte: http://www.releituras.com/antoniocicero_menu.asp

sábado, 2 de agosto de 2014

Frida Khalo: Acidente, Paixão, Perda, Arte e Liberdade


Muito já ouvi falar sobre Frida Khalo, mas, um dia, parei para pensar e conclui que não sei quem é essa mulher e porque foi tão importante. Então, aqui vai:

Seu nome era Magdalena Carmen Frida Khalo, mexicana, nascida em 6 de Julho de 1907. Fazia faculdade de medicina, aos dezoito anos, quando sofreu um acidente dentro do ônibus em que estava (um ferro transpassa seu abdome, o que a faria passar por 35 cirurgias deixando sequelas); a tragédia lhe perseguiria por toda a vida condenando seu estado de saúde até sua morte, aos 47 anos, que não se sabe se foi natural por embolia pulmonar ou suicídio.

A grande artista tem como marca registrada seu grande patriotismo trazendo sempre para a obra e sua vida regionalismos (venerava a cultura e tradições mexicanas), se considerava filha da Revolução Mexicana *** (dizendo ter nascido em 1910, pregava a liberdade) e era também socialista. Possuía um estilo único onde combinava muita cor e acessórios, fazendo da roupa sua arte e também uma forma de esconder seus problemas de saúde (como a perna manca vinda da poliomielite que teve quando pequena) e até mesmo “compensá-los” (criando um estilo só seu, distraindo sua própria atenção além da alheia). Além disso, também o fazia para mais tarde agradar o marido, Diego Rivera, de ideais patriotas assim como ela; se vestia com adereços indianos típicos do México e roupa Tehuana (uma das mais famosas roupas típicas mexicanas).

Roupa Tehuana


Abortou naturalmente por mais de uma vez devido ao seu estado delicado de saúde e esses episódios só a faziam mais triste; alternava momentos de profunda motivação com momentos de profunda tristeza: como quando sem mais poder andar, a ela lhe é atribuída a frase “Pies para que lós quiero, si tengo alas para voar” e como quando afirma em sua autobiografia em relação ao acidente "E a sensação nunca mais me deixou, de que meu corpo carrega em si todas as chagas do mundo". O curioso é que ao mesmo tempo em que o acidente no ônibus é sua tragédia, é também o que impulsiona Frida no campo da pintura; logo depois do ocorrido, quando ainda de cama, sua mãe lhe compra um quadro para que pintasse e começam então a surgir os famosos autorretratos. O ícone se “justificaria”: “Pinto a mim mesma porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor”.



Quando Frida procura Diego Rivera em busca da avaliação dos seus quadros, eles se apaixonam e se casam. Lança-se no mundo da arte em uma exposição nos EUA e sempre frustrada por não conseguir ter filhos, seu casamento fica abalado e Rivera começa a trai-la com sua irmã mais nova Cristina.

Em 1939, tem sua primeira exposição individual nos EUA e algum tempo depois expõe em Paris e é a primeira pintora mexicana a ter um quadro exposto no Museu do Louvre. Muda-se com Diego para a ‘Casa Azul’, hoje um museu em sua homenagem. Frida ainda sofre com problemas de saúde, tendo que fazer seis cirurgias no período e usar um colete de ferro no tronco, além da cadeira de rodas. Em seguida, tem sua perna amputada e apesar de todo o caos, participa de um movimento contra a intervenção dos EUA na Guatemala em 1954. 

Casa Azul, Cidade do México

Nesse mesmo ano é encontrada morta no dia 13 de Julho e suas últimas palavras em seu diário são “Espero a partida com alegria... e espero nunca mais voltar... Frida". Seu diário que seria publicado em 1995 e sua autobiografia em 1953.

É também um ícone feminista, dona de uma vida entremeada de dificuldades, soube dribá-los como ninguém e se tornar pintora em um mundo baseado no homem, além de tudo, vinda do segundo mundo. Sua história se torna interessante pela força que traduz, uma mulher de ideais tão simples e ao mesmo tempo fundamentais com uma motivação de dar inveja, dona de princípios morais que mesmo hoje em dia estão escassos, quem poderá dizer sobre 1950, onde a vida era baseada em tradição e com certeza menos livre.

        Quadro “Alguns Golpes” de Frida, que traduz como se sentia diante da infidelidade do marido


Vale observar que Frida é ao mesmo tempo símbolo feminista e sofria muito pela infidelidade de Diego Rivera, se contentando com as migalhas do amor que ele dava a ela. O casamento não a prendia por machismo, apenas por amar demais alguém que a amava da mesma forma, mas que não conseguia retribuir a altura. A dependência emocional que apresenta de Diego é atemporal e pode ser encontrada em todos os tempos do homem independente de uma sociedade machista ou não, assim como poderia ser apresentado por um homem em relação a uma mulher.

A artista possui uma obra marcada pela dor, uma vez que a pintura surgiu em sua vida como válvula de escape para seus problemas em relação ao acidente e continuou sendo assim por toda sua vida. É uma coleção de quadros fortes marcados por sentimento e cor.

Khalo é considerada surrealista, apesar de não ter tido contato com o movimento europeu em seu início e sobre isso disse Pensavam que eu era uma surrealista, mas eu não era. Nunca pintei sonhos. Pintava a minha própria realidade.”

Os casos de Frida

Diante da infidelidade de Diego Rivera, a grande pintora também se envolveu em diversos casos amorosos, como o seu mais famoso : Léon Trotsky. O marxista permaneceu na casa de Diego e Frida em sua fuga de Stálin. O marido a incentivava a manter relações com mulheres, mas se enfurecia se descobrisse envolvimento com outros homens.

Porque um ícone feminista?

Era bissexual assumida (algo difícil mesmo hoje em dia) e além de adentrar o mundo das artes antes dominado pelos homens com força e muito talento, Frida expunha os sentimentos, expunha seu lado pessoal em suas obras, mostrando ao mundo as peculiaridades das emoções femininas (quebrando a estética com que a mulher era retratada), se colocando como mulher à altura da arte a ser retratada em detalhes, dando importância a um gênero antes oprimido, capaz somente de cumprir suas obrigações para a casa e a família. Não obstante, ainda se revela surrealista, movimento que causou grande impacto nas camadas mais conservadoras.

Sua obra não pode ser considerada feminista, porque ela pintava sobre sua própria realidade, mas como tratava a mulher de forma diferenciada da que a sociedade gostaria, é um prelúdio ao feminismo, movimento que só ganharia forma nos anos 60,70. A pintora mexicana era ousada tratando sua sexualidade sem tabus assumindo sua bissexualidade num universo extremamente excludente em relação a gays e mulheres. Ademais, quando separada do marido, se permitia a uma vida livre de pudores se envolvendo em diversos casos amorosos.

Talvez a pintora não tenha tido a intenção de abordar o feminismo, exatamente porque lida com suas liberdades femininas que ela mesma cria com muita naturalidade, como se seu modo de levar a vida já fosse o esperado e não houvesse normas a serem quebradas, como um revolucionário que não declara a revolução. Uma feminista de nascença, foi muito ativa também politicamente.

 “Frida é Frida e eu me calo!”1
Edla Eggert

A revolução mexicana ***

Movimento que procurou acabar com o Porfiriato - ditadura de Porfírio Diaz, baseada no ingresso de capital estrangeiro com pouco desenvolvimento industrial e forte concentração fundiária com repressão popular, além de ser uma democracia mascarada, onde Porfírio permaneceu no poder a partir de corrupção por 35 anos.

A revolução teve duas fases, uma mais ligada ao proletariado e outra posterior mais popular. As camadas populares no fim foram reprimidas e com a morte de seus líderes, a onda revolucionária perdeu a força, porém, houve êxito na conquista de alguns direitos, como os trabalhistas, individuais, a propriedade etc.

Referências Bibliográficas



quinta-feira, 17 de julho de 2014

A cerejeira

   

 Ao contrário do que muitos pensam, a cerejeira não é uma espécie de árvore e sim um conjunto de espécies vindas da Ásia, algumas sendo frutíferas (cereja) e outras fornecendo madeira nobre (madeira marrom-avermelhada usada para confecção de móveis finos e instrumentos musicais) ou ainda servindo para ornamentação. Existem espécies diferentes das que estamos acostumadas a ver, como as brasileiras abaixo

      
Amburana , Jatobá (Hymenaea courbaril) e cereja-do-Rio-Grande (Eugenia involucrata).

As famosas cerejeiras japonesas (cerejeiras ornamentais, prunus serrulata) são largamente utilizadas para decoração. Além disso, a flor de cerejeira é a flor nacional do Japão (onde são conhecidas mais de 300 variedades do tipo) e símbolo dos samurais, uma vez que a flor dessa árvore morre logo, representando a efemeridade da vida e necessidade de aproveitar intensamente o hoje sem medo (lema dos samurais)- correspondente oriental para o carpe diem. Conhecida também como sakura, a flor inspira o “Hanami”, celebrações para apreciação das cerejeiras no período de floração. Quando essas celebrações acontecem a noite, recebem o nome de “yozakura”, sendo ornamentadas com lanternas de papel.

Essas flores também passam por determinado processo e viram chá, sendo servido para os noivos na cerimônia de casamento como forma de lhes assegurar a felicidade.
                         

A prunus serrulata produz poucos frutos; as cerejeiras que originam a cereja que estamos acostumados a consumir precisam de aproximadamente 1000 horas de frio para que sua semente quebre a dormência e consiga se desenvolver, desse modo, ainda não são produzidas pra comercialização no Brasil (sendo importadas principalmente do Chile e Estados Unidos). Existem outras espécies que exigem menos horas de frio, no entanto, não são tão palatáveis. Existe o boato de que a cereja em calda seria feita de chuchu, o que não é totalmente mentira: como a fruta é importada, se torna muito cara e portanto alguns meios de comércio como confeitarias, padarias preferem usar o chuchu, mas, ainda assim, nos supermercados encontramos a cereja em calda vinda da fruta.1

Em 1908, os imigrantes japoneses introduziram variedades de cerejeiras no Brasil com o objetivo de trazer suas tradições recriando o lar. O estado de São Paulo e cidades do sul aceitaram bem as árvores e hoje existem também celebrações nas áreas.

Os tipos de cerejas que consumimos são as cerejas ácidas e doces, a primeira vinda da prunus cerasus (sendo usadas em conservas, compotas e bebidas como a ginginha- licor muito popular em Portugal, especialmente em Londres) e a segunda vinda da prunus avium (sendo consumida ao natural ou em calda).



Referências Bibliográficas




Lembro-me de que certa noite . eu teria uns quatorze anos, quando muito . encarregaram-me de segurar uma lâmpada elétrica à cabeceira da mesa de operações, enquanto um médico fazia os primeiros curativos num pobre-diabo que soldados da Polícia Municipal haviam carneado.. (...) Apesar do horror e da náusea, continuei firme onde estava, talvez pensando assim: se esse caboclo pode agüentar tudo isso sem gemer, por que não hei de poder ficar segurando esta lâmpada para ajudar o doutor a costurar esses talhos e salvar essa vida? (...)Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a idéia de que o menos que o escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto..
VERÍSSIMO, Érico. Solo de Clarineta. Tomo I.
Porto Alegre: Editora Globo, 1978.